27 junho, 2014

“O país para ter uma resposta económica tem de ter indústria e para isso tem de ter engenharia”

João Sobrinho Teixeira - Presidente do IPB
De acordo com os últimos dados de acesso ao ensino superior, a engenharia foi uma das áreas menos procuradas pelos candidatos, existindo mesmo situações de cursos sem qualquer aluno colocado. A redução do número de vagas face a 2012 não impediu que as instituições perdessem alunos, com uma quebra mais acentuada nos institutos politécnicos. Que análise faz desta situação? Quais as implicações imediatas e a longo prazo?
Podia fazer um discurso político no sentido de dizer duas ou três coisas com maior ou menor grau de banalidade e responder à questão, mas é melhor ser sincero e dizer as coisas como elas são.
A diminuição de vagas é inoquoa. As vagas foram diminuídas nas instituições que já não preenchiam vagas em anos transatos e isto só teria efeito nas instituições que preenchem as vagas todas.
Em relação à atratividade não acho que haja uma redução. Acho que hoje em dia a engenharia é vista como uma qualificação que obtem um menor nível de empregabilidade. Em Portugal fala-se da reindustrialização da economia portuguesa e percebe-se que o caminho para um retorno mais produtivo que alguém pode ter é qualificando-se na área de engenharia. Portanto o problema não está na diminuição da atratividade na área da engenharia, aliás atualmente tem mais atratividade para os estudantes que no passado.
Houve uma altura em que se verificou que outras profissões, em que havia uma perspetiva a nível de emprego público praticamente assegurado, tinham uma atratividade maior. Recordo por exemplo o optar pelo ensino da matemática em vez da engenharia. Também na área da saúde sempre houve a perspetiva de que quem tirasse uma formação na área assegurava um emprego público. Portanto, a engenharia como estava ligada a uma atividade privada ou semi-privada podia ter uma componente de retorno financeiro maior, mas também uma maior componente de risco. Neste momento, a visão de que com uma formação se tem acesso a um emprego público com remuneração aceitável não existe. Contudo, em termos de perspetiva sobre a empregabilidade, com exceção da medicina, a engenharia é vista como a profissão que mais retorno pode ter.
A perceção que tenho é que um bom aluno que consegue ultrapassar as diversas etapas de acesso ao ensino superior, primeiro tenta a medicina e depois a engenharia. A questão é que, infelizmente para o país, há poucos alunos a conseguir acabar as disciplinas de matemática e físico-química. A atratividade de engenharia é grande e os alunos gostariam de ir para engenharia, o problema é que não conseguem entrar.

E porque é que não conseguem? 

Não sei o que está mal, mas há nitidamente um desfasamento entre o que é ensinado e apreendido ao longo dos 12 anos e o que é avaliado numa prova. Das duas uma: ou a prova se encontra desfasada face ao que é ensinado mas está certa face ao que é exigido e o problema está naquilo que se ensina nos 12 anos, ou a prova apresenta um nível superior de exigência face ao que é razoável para tirar um curso e a aprendizagem conseguida nos 12 anos. Se fizermos esta análise podemos estar a contribuir para que no futuro haja mais gente em engenharia.
Não estou com isto de defender uma ou outra, estou é a mostrar a incongruência do sistema. Se analisarmos o número de alunos que entrou em 2005 no ensino superior este não chegou a 40 mil, já o numero dos que entraram em 2007/2008/2009 centra-se entre os 54 a 56 mil, ou seja mais quinze mil alunos, a partir daí notamos uma redução no número de entradas que este ano voltou a aproximar- se do ano de 2005. Para mim isto tem a ver com a maior ou menor dificuldade da prova de acesso colocada aos alunos.
Penso que temos de discutir de que forma vamos conseguir aumentar o nível de aprendizagem do sistema de ensino e verificar se estamos ou não no caminho da melhoria continua. Os últimos indicadores dizem que sim, que o conhecimento dos alunos em matemática e química tem aumentado relativamente ao que tem acontecido em outros países. Há ainda que ter em atenção que o aumento da dificuldade no exame por si só não gera um aumento da aprendizagem dos alunos. O exame é um dos meios para fazer a avaliação dos alunos e é um fator positivo, mas a reprovação em si própria não pode ser uma cultura. Ou seja, o professor e o sistema não é melhor quanto maior a dificuldade que resulte num maior nível de reprovação, pelo contrário é melhor quanto maior for no ensino de aprendizagem.
Temos ainda de ter orgulho na engenharia que é feita, seja ela com alunos que entraram com mais dificuldade, seja com alunos que entraram com menor dificuldade. Com uma ou com outra verificamos um bom nível de empregabilidade no estrangeiro. Quando se fala dos engenheiros portugueses que vão para a Alemanha, Suécia, Inglaterra, em situação de concorrência com os engenheiros espanhois, italianos, estes não têm preferência por serem portugueses e se estão a ser bem aceites é sinal que há uma qualificação boa que é feita em Portugal. Acho que o sistema, as instituições e os alunos estão a conseguir responder positivamente.
Temos também de aceitar que a entrada de alunos com um sistema facilitado se traduza num maior insucesso nos primeiros anos de engenharia. Todo o aluno que acaba o secundário na Bélgica pode candidatar-se ao ensino superior sem que haja um filtro. O nível de insucesso aproxima-se dos 40% no 1º ano mas é assumido pela sociedade pois o objetivo da Bélgica é ter muita gente qualificada no superior. Conseguem ainda que os jovens tenham mais motivação para continuar a estudar estando já no superior do que se efetuassem um filtro à entrada que vai fazer com que não consigam entrar e depois desistam de o fazer.
Voltando à questão dos exames, até agora há uma boa resposta da engenharia porque a empregabilidade dos engenheiros fora do país é bem aceite e mostra a sua capacidade. Portanto, o que era importante verificar é se o que está mais desfasado é a aprendizagem ou se é a dificuldade do exame. Podiamos dar a nossa prova a alunos estrangeiros e verificar a resposta deles mas ninguém tem coragem de colocar isto em cima pois têm medo de parecer pouco exigentes inteletualmente. O resultado disso é que o próximo ano letivo vai ser pior nas entradas. O número de jovens em engenharia tem vindo a reduzir, ou seja o efeito do aumento da dificuldade tem-se traduzido na exclusão das pessoas e não no aumento da aprendizagem o que leva os jovens a desistir dos cursos de engenharia e a seguir para cursos com pouca empregabilidade, que o país não precisa mas que é aquele que facilita a entrada.
Daqui a uns anos vamos ver o que vai acontecer quando estiver muita gente na área das ciências sociais, da comunicação, que não dão resposta em termos de produtividade do país.

De que forma se pode combater esta situação? Que estratégias se podem acionar? 

Como referi, uma das formas seria olhar para a questão dos exames e analisar. Outra seria fazer uma demonstração das potencialidades de uma formação em engenharia.

Isso entronca numa questão essencial que é o papel da OE na visibilidade da engenharia. A OE quer ter um papel mais ativo neste campo. como podem existir sinergias entre instituições no sentido de facilitar o reconhecimento profissional? 
Mais que ninguém cabe à OE o desenvolvimento da visibilidade da engenharia. Deve ser a própria Ordem a referir os casos de sucesso que existem e fazer uma apologia do nível da engenharia portuguesa que é conseguido e que dá cartas em todo o mundo.
Na minha opinião este papel tem de ser assumido em conjunto com as universidades que também procuram perceber o caminho que seguem os seus formados. Mostrar a oferta que existe e a diferenciação entre as instituições é bastante positivo, não só para os alunos como para uma apologia social da engenharia portuguesa.
Isto não significa que se vai resolver alguma coisa no número de entradas para os cursos de engenharia. Não devemos ficar presos na questão dos exames, mas fazer a apologia nacional e internacional do nível da engenharia portuguesa. Se mostrarmos a enorme capacidade de resposta que os nossos jovens estão a ter no país e no estrangeiro temos uma boa carta de recomendação e haverá aqui uma dinâmica positiva para que mais jovens enveredem pela área da engenharia, mas volto a referir que não é o suficiente. Estes dois pontos, valorização da profissão e exames de acesso, devem ser vistos numa lógica de complementariedade.

A Engenharia civil foi dos cursos mais penalizados. Na sua opinião o que contribuiu para isso? A crise explica tudo?
Acho que sim. Não vejo mais nenhuma razão para que engenharia civil tenha tido uma quebra maior que as outras engenharias a não ser a visão de que sendo a Engenharia Civil uma atividade empresarial muito ligada a ciclos económicos de crescimento ou recessão e como as obras públicas pararam e a construção deixou de existir a visão que passou para a opinião pública foi de recessão económica e de grande nível de desemprego. Portanto isto deveu-se muito em resultado da crise e não por menor capacidade das pessoas em engenharia civil. O nível da Engenharia Portuguesa sempre foi considerado muito bom e não é agora que o vai deixar de ser. O que me admira é que uma área ligada, a Arquitetura, não tenha tido a mesma resposta, e tem um nível de empregabilidade mais baixo que a engenharia civil.

Há quem afirme que formação em engenharia civil estava muito vocacionada para o emprego interno, enquanto outras engenharias tinham uma visão mais alargada para o nível internacional. Partilha desta opinião? Acha que pode ser um condicionante?
Pode ser na empregabilidade que existia e na sua repentina diminuição. Ao longo dos anos a área que tinha mais emprego era a civil, ou seja , o nível de crescimento económico que o país tinha e o investimento em obras públicas era muito grande e portanto os engenheiros civis eram muito requisitados. O crescimento económico que o país estava a ter ao nível das obras públicas, pela introdução dos fundos comunitários e mesmo ao nível privado era enorme e desta forma os alunos eram todos absorvidos. Não se estava a prever a crise em que o país podia entrar.
O mercado interno absorvia tudo e portanto não havia a necessidade de introduzir outras valências em que não se via utilidade. Claro que agora isto tem de ser repensado. A área da engenharia civil tem ainda a dificuldade de estar muito ligada à legislação e às regras estabelecidas em cada país e que são diferentes, portanto obriga a outro tipo de preparação. As outras engenharias são mais ligadas a um processo universal e não estão tão sujeitas às normas de cada país.

Não podendo generalizar esta situação a todas as áreas de engenharia, quais os cursos que considera com maior potencial na área de emprego e especificamente aqui no politécnico?
Na área da informática o potencial é grande e a engenharia mecânica é hoje em dia dos cursos mais pretendidos. Os cursos de gestão industrial são também muito adequados pois estão muito adaptados para dar resposta às necessidades do país.
O IPB tem em atenção todas estas variáveis e prepara os alunos para a realidade da região e do país. Neste aspeto uma engenharia com fator de universalidade tem uma maior empregabilidade. Ao nível da agronomia também temos verificado um bom nível de empregabilidade. Apesar da área agricola ser uma área pouco estimada e normalmente pouco pretendida começam a notar-se as suas potencialidades e por isso começa a ser procurada. Por exemplo o vinho foi o sector agrícola que mais cresceu e mais evoluiu, muito graças à enologia e à capacidade de se fazer vinho.

A multiplicidade de cursos de engenharia existente a nível nacional será coadunante com as exigências do mercado europeu? E com os restantes?
Acho que deve haver uma regulação das áreas de engenharia. É bom para os jovens e para o sistema. A criação de cursos atípicos da engenharia relaciona-se com a tentação das instituições em captar os jovens para a área da engenharia afirmando-os como uma engenharia diferente e com uma maior empregabilidade. Contudo o que se verifica é que a maior parte das engenharias são na sua essência repetidas e isso leva a uma descaraterização do próprio grau e nem é benéfico para o país.

Sendo do conhecimento público que as instituições de ensino superior passam por momentos conturbados devido à diminuição de financiamento e restrições de autonomia de gestão. como é que o IPB tem reagido a esta situação? 
Temos de ser sinceros. A partir do momento em que há uma redução do financiamento, cerca de 30% ao longo dos últimos anos, a qualidade do ensino é afetada. Também não era aceitável para ninguém que no meio de um esforço tão grande que o país está a fazer o ensino superior passasse à margem. É necessário perceber que há menos qualidade no setor da saúde como há no ensino superior, que resulta da quebra no financiamento, temos de ver de que forma vamos atuar.
No IPB temos procurado aumentar as receitas próprias, conseguir projetos de investigação e cativar alunos estrangeiros. Neste momento num universo de 7000 alunos cerca de 2000 são alunos estrangeiros o que demonstra a qualidade da instituição. Bragança tem um custo de vida baixo, uma boa qualidade de vida e uma grande vantagem de internacionalização, estas razões fizeram com que uma das opções estratégicas do Instituto fosse a internacionalização.

Na sua opinião, de que forma a Engenharia portuguesa pode contribuir para solucionar a crise económica financeira que se vive no país?
A Engenharia Portuguesa é dos setores com maior capacidade de resposta. Portugal tem uma grande capacidade ao nível do sector agricola. O turismo é também uma das áreas com maior capacidade de expansão. Contudo, apesar das grandes potencialidades temos de ser realistas e admitir que não é suficiente. O país para ter uma resposta económica tem de ter indústria e para isso tem de ter engenharia. O país não vai dar resposta à crise só com a agricultura e o turismo, setores em crescimento, tem de produzir do ponto de vista industrial. A solução passa pela reindustrialização do país.
Também tenho algum receio que com poucos engenheiros deixemos de ter engenheiros com capacidade de resposta e proatividade, pois ao serem poucos vão ter um mercado facilitado e isso resulta numa menor qualidade e exigência da engenharia. Será que estamos a qualificar o número de engenheiros que o país irá precisar para a reindustrialização?!

Como tem visto a atuação da OE no exercício da profissão? As engenharias designadas “clássicas” são as que têm mais atos regulados pela legislação nacional. Não deverão os atos de outras engenharias ser também objeto de regulação/reconhecimento?
Era bom que houvesse um exercício corporativo, no bom sentido, da atividade da engenharia para garantir uma maior visibilidade. A OE, por causa da regulação, foi sempre muito mais orientada para a questão da engenharia civil, eletrotécnica e mecânica, contudo não me parece que seja por um acréscimo de regulamentação que se deve caminhar.
Uma intervenção construtiva da OE, até no processo formativo dos engenheiros, uma representatividade corporativa, uma transmissão do valor da engenharia que não fique só na regulamentação das engenharias clássicas e a afirmação da engenharia portuguesa em outros países era muito positivo. A regulamentação deve existir mas deve haver uma representatividade, uma interação com as instituições de ensino no caminho a seguir e numa afirmação do valor da engenharia em Portugal e no estrangeiro.

Publicado em 'INFO nº32'.

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