04 dezembro, 2006

Os estudantes nómadas


Foi Erasmo de Roterdão, filósofo humanista que viveu entre 1465 e 1536, que lhe deu o nome. São os milhares de estudantes que circulam na Europa todos os anos que o perpetuam. É o Programa Erasmus que permite os sonhos, o intercâmbio de culturas e a cooperação educativa.
Aida Sofia Lima

Lutando sempre contra qualquer tipo de pensamento dogmático, viveu e trabalhou em vários países da Europa, numa busca incessante do conhecimento, experiência e percepções. Algo que só poderia alcançar através do contacto com esses povos. Erasmo de Roterdão é o modelo de um programa destinado a apoiar as actividades europeias das instituições de ensino superior.

E é essa busca do conhecimento e de experiências que traz todos os anos cerca de cem jovens europeus à cidade de Bragança. E o que os move nesta escolha? Portugal é, sem dúvida, o destino mais cobiçado pelos estudantes. A proximidade, como referem os erasmus espanhóis, o clima atractivo, segundo os de leste, os custos mais baixos e a fama que os portugueses têm de bons hospitaleiros, são alguns dos motivos apresentados.

Também a escolha da cidade de Bragança, como morada durante uns meses, não é feita ao acaso, nem é último recurso. Para a maioria, foi a primeira opção aquando da sua candidatura. Juarez Dominguez, de Valladolid, explicou que até podia ter ido para Itália, mas que estava fora de questão, pois “era muito mais longe e mais caro”. Já Ioana Filote, estudante romena, contou que esteve de férias em Portugal há dois anos e adorou o país, por isso não hesitou em vir. “Escolhi Bragança porque queria viver numa cidade pequena, onde pudesse conhecer bem as pessoas, bem diferente da minha cidade natal que é enorme”, acrescentou. E como o testemunho passa de ano para ano e os erasmus carregam nas malas de regresso as imensas experiências por que passam, Vucko Danincic decidiu vir para Bragança depois dos amigos entusiastas lhe contarem como era bom estudar nesta cidade. “escolhi Bragança porque os meus amigos, que estiveram cá noutros anos, me disseram que a cidade era maravilhosa e as pessoas muito amáveis!”, explica.

“Bella, bonita, pequeña, small, great, agradable” são alguns dos adjectivos que estes estudantes utilizam para caracterizar a cidade. Para a maioria destes a vida em Bragança é mais simples, mais barata e permite estabelecer contactos mais estreitos entre as pessoas. E nada melhor do que umas festas ou saídas à noite para esses contactos. É que, quando se tenta saber que actividades têm realizado para além das aulas, respondem, em uníssono, “ir de fiesta”, os espanhóis, e “party”, os outros. Elogiam a vida nocturna que a cidade oferece. saem quase todas as noites, mas alguns queixam-se das jovens portuguesas, que afinal não são assim tão hospitaleiras como pensavam. Que o diga Zbigniew Kryshiewicz, erasmus polaco, que todas as noites nas pistas de dança, procura um par nacional, mas sem sucesso. “As raparigas portuguesas é que me têm dado dores de cabeça. Quero dançar com elas, mas é muito difícil, porque se fecham em rodas de amigas e não nos deixam aproximar”, explicou. Já as erasmus estrangeiras têm diferente opinião e até pensam que os portugueses são muito simpáticos, pois, logo a seguir ao primeiro contacto, combinam jantares e saídas.

Mas nem só de festas vive o Erasmus. Sendo um Programa com vinte anos de existência dedicado ao ensino e à cooperação, a escola e as aulas são primordiais na vida destes alunos. E, quando comparam o ensino do Instituto Politécnico de Bragança (IPB) com os métodos das universidades de onde provêm, a opinião é geral em classificar o modelo de ensino português superior ao dos seus países de origem. Patrícia Rodriguez, erasmus de Léon, sabe que vai sair de Portugal “mais enriquecida, pois as aulas são muito diferentes no IPB”. “Em Espanha as aulas são mais teóricas. O professor chega à aula e fala, fala. Aqui há muita participação entre alunos e professores. as aulas são mais práticas e este sistema educativo é mais cativante”, acrescentou. Damian Arribas, de Valladolid, partilha da mesma opinião e distingue os professores nacionais dos espanhóis do seguinte modo: “O professor em Espanha é Deus. Aqui não, é uma pessoa normal que ensina os seus conhecimentos. A distância entre professor e aluno é mantida. Mas é diferente, porque cá é alguém que te ajuda e em Espanha é alguém que te transmite”.

As aulas, maioritariamente leccionadas em português, também não são um grande problema para estes jovens que, na maioria, nunca tinha tido qualquer contacto com a língua. Para os espanhóis ou italianos as coisas são mais simples, porque toda a gente os entende e eles também percebem bem português. Maior dificuldade passam os alunos de leste. No entanto, são estes alunos os que mais progridem nas aulas de Língua Portuguesa, um curso de trinta horas que o IPB oferece aos erasmus. Dina Rodrigues, professora de Língua Portuguesa, confirma que “os alunos que mais aprendem são os de leste. Partem do zero e evoluem. Os espanhóis têm muita dificuldade em aprender línguas estrangeiras, até porque nem precisam de um grande esforço, pois aqui toda a gente os entende”.

Na sala de aula, duas vezes por semana das 20h às 22h, nem só de Língua Portuguesa se fala. Também há espaço para que os problemas dos alunos sejam discutidos, para que qualquer dúvida seja tirada, ou até alguns, conselhos dados quando solicitados. A professora ensina português, ajuda os erasmus com a ementa da cantina, ou a traduzir uma mensagem mais atrevida que um aluno recebeu. alerta para determinadas situações, que julga causarem alguma preocupação, e conversa sobre culturas. “Estas aulas são também um espaço de intercâmbio cultural e troca de usos e costumes”, explica Dina Rodrigues.

Para além deste curso de Português, o Gabinete de Relações Internacionais (GRI) do IPB promove outras actividades de acompanhamento aos alunos erasmus. Gil Gonçalves, do GRI, conta que “os alunos chegam e são sempre acompanhados, numa primeira fase, para arranjar casa. São realizadas reuniões periódicas com eles para saber como as coisas correm e, normalmente, o feedback é muito positivo. Existe ainda um guia em português e inglês com toda a informação sobre cursos, cidade, região, etc”. A novidade é o Programa Tutor Erasmus, um projecto de apoio aos alunos estrangeiros. Qualquer estudante nacional se pode propor para Tutor Erasmus e a sua função será ajudar erasmus no que for necessário.

Apesar das dificuldades iniciais, sejam materiais, linguísticas, pessoais, este ano marcará para sempre a vida destes alunos. Eles sabem que, quando chegar a altura de dizer “adios, au revoir, arrivederci, goodbye,…”, vai custar um bocadinho, mas que “nunca vão esquecer os amigos que fizeram na pequena cidade de Bragança”.
Publicado no jornal 'Mensageiro de Bragança' de 30 de Novembro de 2006.

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