03 janeiro, 2007

Cursos sem saída vão estar nos dados do desemprego

Filomena Naves e Pedro Sousa Tavares Leonardo Negrão

Muda quase tudo. Ou pelo menos é essa a intenção. Contra as acusações de inércia da oposição política, Mariano Gago garante que está em curso uma reforma que passa pela especialização das instituições, pelas parcerias internacionais, pela alteração radical dos modelos de funcionamento e de gestão das universidades e por uma maior responsabilização em relação ao sucesso escolar dos alunos. A começar já este ano.

O ministro do Ensino Superior garante que "a posição política do Governo" é de que "as propinas não aumentarão" até ao fim da legislatura. "Ao contrário do que pensa grande parte da sociedade portuguesa, não temos estudantes a mais no ensino superior. Isso é falso. Temos estudantes a menos e precisamos de muitos mais. E sabemos que a verdadeira batalha social começa aqui, na atracção de mais alunos", explica Mariano Gago. Para o ministro, "apesar da vantagem para o orçamento das instituições, seria ilógico um aumento de propinas" quando existe este objectivo.

De referir que este compromisso significa apenas que o Governo não aumentará o valor máximo que pode ser pedido (excepto acertos de inflação), que se situa hoje nos 920,17 euros anuais nas universidades e nos 850 euros nos politécnicos. Actualmente, a esmagadora maioria das universidades já cobra a propina máxima, mas nos politécnicos a média ainda se situa nos 750 euros, cem euros abaixo do tecto para o sector.

Em todo o caso, não deixa de ser uma boa notícia para os estudantes. Sobretudo, tendo em conta que, entre 2001 e 2004, as propinas aumentaram cerca de 21% ao ano nas instituições públicas.

O ministro assume também a aposta no reforço da acção social escolar, "para melhorar as condições de acesso dos estudantes com mais dificuldades económicas" e a consolidação de um sistema de "empréstimos reembolsáveis em função do rendimento e que não estejam indexados a uma garantia real". Um sistema que está em negociação com a banca para vigorar já no próximo ano lectivo. Mariano Gago assume que "não foi possível" concretizar esse sistema já este ano lectivo devido à "experiência limitada" que havia nesta matéria: Existem de facto bancos que oferecem empréstimos sem garantias, mas estão limitados aos estudantes com um percurso escolar absolutamente excepcional". No entanto, o ministro considera já existirem condições para se anunciar "com alguma segurança" um sistema que não se resuma "ao 1% dos melhores estudantes".

Que benefícios podemos esperar do novo modelo de cursos definido pelo Processo de Bolonha?

Criar cursos mais curtos, com primeiros e segundos ciclos, teve por objectivo aumentar a empregabilidade e diminuir o insucesso escolar. Muitos estudantes com dificuldades económicas e escolares não terminavam os cursos mais longos. Aliás, nem sequer abordavam esses cursos.

Há quem diga que falta apostar em formações mais qualificantes...

Essa crítica aplica-se a algumas instituições, mas é injusta em relação a outras que têm enorme preocupação com o mercado de trabalho, que têm cursos com enorme qualidade e a preocupação com o trabalho do aluno orientado.
Há quem diga que falta apostar em formações mais qualificantes...

As instituições vão ser obrigadas a acompanhar a inserção profissional dos seus licenciados. Será uma regra bem aceite?

Algumas universidades já estão a seguir e a divulgar de forma sistemática o percurso dos seus licenciados. Mas isso não chega. É preciso fazê-lo de forma organizada e com transparência. E há uma maneira indirecta de o ajudar a fazer: dando informação pública da totalidade dos dados que se encontram nos centros de emprego, relativamente a licenciados no desemprego, com informação sobre os cursos a que correspondem os perfis das pessoas desempregadas.

Identificando cursos e instituições com piores desempenhos?

Sim. É preciso dizer que hoje ser licenciado em Portugal é um passaporte para o emprego, ao contrário do que as pessoas julgam. A taxa de desemprego de licenciados é muito mais baixa e sobretudo o tempo médio para obter emprego é muito mais baixo. Dar informação sobre as áreas e cursos com maiores dificuldades de empregabilidade é útil para as instituições e para os estudantes.

Quando é que esses dados vão ser divulgados?

Isso foi já acordado com o Ministério do Trabalho. Actualmente temos informação por área, mas não por curso e instituição. A alteração do modelo de inquirição vai acontecer já no princípio do ano e, em Junho ou Julho, teremos um panorama realista da situação.

Mas não estão já identificados os casos mais sensíveis, como os licenciados em educação?

Em termos de áreas, o sector da educação corresponde de facto a 31% dos licenciados no desemprego, mas depois há as artes e humanidades com 12%, e uma área que abrange muitas profissões, as ciências sociais, comércio e direito, com 28%.

Defende a redução da oferta excessiva de certos cursos. Isto está a ser conseguido?

Havia uma forma inteligente de o fazer, com a associação entre instituições e a concentração de recursos. Como isso não aconteceu, o Estado introduziu mecanismos de redução de desperdício, para eliminar a prazo o financiamento público nos casos em que o número de estudantes é tão baixo que não o justifica. Mas este é um processo muito lento e é precisa uma regulação externa.

A futura entidade reguladora do sector vai desempenhar esse papel?

Uma das suas principais missões será a orientação da oferta formativa. Fechará cursos inevitavelmente, acelerando e racionalizando um processo que já está em curso.

Falou-se também na fusão entre duas grandes universidades de Lisboa. Que fundamento há nisso?

Nenhum. Racionalizar a oferta educativa significa apenas, em alguns casos, reduzir o número de cursos iguais que se encontram dispersos por inúmeras instituições, de forma a que haja mais pessoal docente qualificado em contacto com os estudantes desses cursos. Isso vai exigir alguma especialização por parte das instituições.

Publicado no jornal 'Diário de Notícias' de hoje.

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