28 janeiro, 2008

Universidade: transição e roturas culturais

ADOLFO STEIGER GARÇÃO
Professor catedrático da Faculdade de Ciências e Tecnologia da UNL e membro do painel Ciência e Sociedade

Acautelamos melhor a utilização dos meios quando directamente os pagamos.
O financiamento fácil e sem controlo torna-se despesista.


Dois paradigmas fundamentais poderão estar em causa, o primeiro ligado à estabilidade e o segundo assente na inexistência de relações utilizador- pagador.

A estabilidade excessiva é seguramente um dos suportes mais activos do imobilismo e da estagnação. A verdade é que funcionamos melhor quando existe alguma inquietação e sobretudo se estiverem implementados mecanismos céleres produzindo consequências, sejam elas de recompensa ou de penalização. Torna-se obrigatório que os modos de avaliação sejam conhecidos e adequadamente adaptados e exercidos de forma independente. A verdade também é que acautelamos melhor a utilização dos meios quando directamente os pagamos. O financiamento fácil e sem controlo torna-se habitualmente despesista.

As políticas ministeriais recentes, fatalmente, teriam de ter consequências em termos estruturais. Não surpreende que as instituições de ensino superior busquem formas de reorganização que melhor as adeqúem à competição que se avizinha. E não pretendo sequer discorrer sobre "Fundações" ou formas organizativas mais tradicionais. Prefiro concentrar-me sobre simples incidências culturais. Vejamos:

1– A inevitabilidade de as universidades serem avaliadas e classificadas por comissões independentes internacionais gera a consciência de que um modelo integrado de qualidade terá que ser implementado. Se é verdade que para os aspectos científicos estamos indiscutivelmente avançados, já o mesmo não ocorre relativamente aos aspectos mais associados ao ensino e pedagogia e optimização de utilização de recursos. Possivelmente nem ocorre ainda generalizadamente que a maioria das questões estarão ligadas não ao que afirmarmos (somos óptimos professores, avaliamos correctamente, fazemos testes exemplares, dizemos..) mas à capacidade que tivermos de demonstrar estruturadamente que assim é (o que dizem os alunos, quem certifica os nossos testes, que metodologias utilizamos para garantir que o que fazemos é de qualidade elevada (claro, excluindo a nossa elevada opinião), como utilizamos os meios que nos são disponibilizados, porquê retenções tão elevadas (e sobretudo que medidas estratégicas tomamos para as reduzir) e o que pensam os empregadores do "produto" que produzimos.

A questão mais dramática reside na ausência de elementos culturais implantados que dêem o relevo indispensável a estas questões, muitas delas consideradas habitualmente como menores ou mesmo falsas questões.

2– Claramente, o paradigma consumidor-pagador não abundava nas instituições universitárias. O corporativismo tem de uma forma geral compensado mais. A obtenção de regalias e privilégios ao longo de anos, por razões nada defensáveis, conduziu internamente nas instituições a distorções penalizantes. Só a constatação de que novos mecanismos de avaliação tornam essas práticas proibitivas tem forçado as faculdades a introduzir racionalização distinta na distribuição de recursos e na correcção de assimetrias herdadas. Também aqui não é mais possível não associar os custos aos resultados, quer quantitativa quer qualitativamente.

A inevitabilidade de as universidades serem avaliadas […] gera a consciência de que um modelo integrado de qualidade terá que ser implementado.

A estabilidade excessiva é seguramente um dos suportes mais activos do imobilismo e da estagnação.

Questão complementar mas não secundária será a existência ou não dos mecanismos de suporte (meios de planificação, contabilísticos, etc), nas várias instituições. E aceitemos com algum sabor amargo nos lábios, que se alguma contenção financeira, quiçá excessiva, não tivesse sido introduzida pela tutela, os esquemas antigos teriam tendência a ser perpetuados. E afirmemos também que se não houver vontade política e determinação local os passos necessários serão exíguos.

Enfim, para sobreviver, ou melhor, para aqueles que quiserem sobreviver, o tempo será sobretudo de evolução cultural adoptando as práticas para o sector público já em voga nas áreas mais saudáveis da nossa sociedade.•

Publicado no jornal 'Diário Económico, – OPINIÃO – p. 44' de hoje.

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