22 novembro, 2006

Certificação dos cursos superiores é ineficaz


Pedro Sousa Tavares


Independência limitada", "ineficiência operacional e inconsistência" , "falta de consequência das avaliações". Estas algumas das fragilidades que a Agência Europeia para a Garantia da Qualidade do Ensino Superior (ENQA) detecta no sistema de acreditação das instituições portuguesas, tutelado pelo Conselho Nacional de Avaliação do Ensino Superior (CNAVES).

O relatório, que será apresentado hoje no Centro Cultural de Belém, foi encomendado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (MCTES) com dois objectivos distintos. Por um lado, avaliar o actual método de regulação dos cursos oferecidos pelas universidades e politécnicos portugueses. Por outro, fazer propostas para a futura Agência de Acreditação, que substituirá o CNAVES a partir de 2007. Mas as conclusões dos peritos internacionais estão a criar algum mal-estar.

"Ainda não tive acesso à versão final", admite Luciano Almeida, presidente do Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos (CCISP), "mas o relatório preliminar era muito pouco rigoroso e revelava que o painel de peritos não teve o cuidado de estudar a legislação portuguesa nesta matéria".

No relatório final, a ENQA reconhece que o modelo actual, implementado na sequência da lei 38/2004 sobre avaliação do ensino superior, "era adequado aos objectivos na altura do seu estabelecimento" e teve algumas virtudes, como "o desenvolvimento de uma cultura de auto-avaliação" nas instituições do sector. Porém, considera que "desde os primeiros tempos esteve associado a uma série de fragilidades".

Os especialistas europeus dizem que "a própria natureza representativa do CNAVES e das suas comissões, com um forte domínio das instituições públicas, compromete a independência do sistema". Uma condicionante agravada pela falta de técnicos qualificados: "O leque de peritos portugueses é limitado e, como é geralmente o caso nas comunidades académicas de países pequenos, existe frequentemente uma considerável familiariedade entre o avaliador e o avaliado."

De resto, uma das principais propostas da ENQA consiste na inclusão de "pelo menos dois peritos estrangeiros" em todas as comissões externas da futura agência.

Luciano de Almeida confessa alguma surpresa com estas conclusões: "Se há crítica que não pode ser feita é a da independência, como de resto provam alguns litígios existentes entre as comissões externas e as instituições, em que o CNAVES tem servido de moderador", diz.

O presidente do CCISP afirma ainda que "já é prática usual o recurso a peritos estrangeiros" nas comissões externas e que, "se isso não acontece mais frequentemente, é devido às restrições orçamentais ditadas pelo ministério". Quanto à predominância de elementos das instituições públicas no CNAVES, Luciano de Almeida diz que esta é "proporcional à representatividade" dos sectores público e privado.

Quanto às considerações da ENQA sobre a "falta de consequências" das situações detectadas nos relatórios do CNAVES, este responsável lembra que a "a própria lei limita a actuação" desta agência, sugerindo que a crítica "seja encaminhada para quem tem o poder de actuar".

Garantia de qualidade

Melhor acolhimento merece a recomendação da ENQA para que a futura agência "combine a acreditação" com a "garantia da qualidade", através de um sistema de auditorias dos cursos implementados. Uma necessidade que, segundo Luciano Almeida, já é referida em muitas "reflexões" produzidas pela comunidade académica.

A ENQA propõe que a agência portuguesa tenha um pessoal permanente de pelo menos 25 pessoas, para além dos elementos das comissões, e sugere um sistema de financiamento em que o Estado contribua com pelo menos 50% e as instituições com 25% a 50%. Os novos cursos deverão ser sujeitos a um "ciclo de acreditação", de cinco a seis anos, período em que são avaliadas as suas fraquezas e virtudes".

Contactado pelo DN, Lopes da Silva, presidente do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP), admitiu "não ter ainda lido o relatório", optando por "não emitir opiniões". Também Adriano Moreira, presidente do CNAVES, informou através de um assessor que não fará comentários antes de o documento ser apresentado pelo ministro Mariano Gago.

Além deste trabalho, o Ministério encomendou também à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) uma avaliação externas das instituições portuguesas de ensino superior, que deverá estar pronta em Dezembro.


Publicado no jornal 'Diário de Notícias' de hoje.

Sem comentários:

Enviar um comentário